Ela Viajou para Dentro Dele: Capítulo 18 – A Partida

...algumas semanas depois...

O voo saiu numa manhã nublada, com o sol tentando romper nuvens que pareciam algodão velho.

Luna embarcou com o coração leve e uma mala pequena, cheia de roupas quentes e expectativa.
Heitor segurava as passagens, os documentos, e uma calma que contrastava com a inquietação dela.

— Você tá animado? — ela perguntou, já no portão de embarque.

— Eu gosto de avião — ele respondeu, sorrindo. — Gosto da sensação de estar entre o céu e lugar nenhum.

Ela soltou um riso nervoso.

— Já eu fico com frio no estômago.

— Então vem do meu lado. Te mantenho aquecida.

Mas, apesar da segurança aparente, Heitor escondia outra coisa por baixo da calma:
uma inquietação que não vinha do voo… e sim de Luna.

De ver ela tão empolgada.
Tão viva.
Tão solta.

Como se aquele mundo novo pudesse levá-la para longe.
Mesmo com ele ali, do lado.

No avião, Luna grudou o rosto na janelinha.

— A gente já tá acima das nuvens? Isso tudo branco é o quê?

— Nuvem.
E sim, já tamo voando alto.

Ela se virou pra ele.

— Você parece ter feito isso mil vezes.

— Só gosto de observar as rotas. Saber por onde a gente vai passar.
— Controle, né?

— Segurança.

Ela assentiu. Mas não comentou.
Era cedo ainda pra discutir as palavras que Heitor usava quando queria dizer “possessão”.

O Chile era frio, vibrante e cheia de cheiros novos.

No caminho até o chalé, a neve começou a cair.

Fiapos brancos no vidro.
Cristais dançando no ar.

Luna arregalou os olhos como uma criança.

— HEITOR… É NEVE! É DE VERDADE!

Ele sorriu. Um sorriso real. Raro.
Mas que logo se apagou quando o motorista do táxi fez um comentário elogioso sobre o sotaque dela.

Heitor não respondeu.
Apenas envolveu os ombros de Luna com o braço, forte.
Demais.

Ela não notou — estava ocupada demais com a beleza do momento.

Mas a neve não foi a única coisa que começou a cair naquele dia.

O chalé era pequeno, charmoso, com lareira e uma banheira funda de madeira.
Luna se apaixonou pelo cheiro da madeira molhada, pelos carpetes macios, pelo silêncio absoluto da neve caindo lá fora.

Tirou o casaco, girou no meio da sala, de braços abertos.

— Parece filme. Parece um sonho. Obrigada por isso, Heitor.

Ele a puxou pela cintura, colando os corpos.

— Você só tá aqui por minha causa.

Ela parou.

— O que foi isso?

— Nada. Tô dizendo que fiz tudo isso pra te ver feliz.

Ela beijou a bochecha dele.

— Então fica feliz comigo. Não precisa me lembrar disso o tempo todo.

À noite, foram jantar num restaurante no centro.

Luna estava linda.
Calça justa, blusa preta colada no corpo, cabelo solto e um batom vinho que fazia os olhos dela parecerem perigosos.

Os garçons olhavam.
Outros turistas também.

Heitor segurava sua mão sob a mesa, os dedos apertando com mais força do que carinho.

— Você sempre se arruma assim pra sair?

— Como assim?

— Assim… chamando atenção.

Ela soltou a mão.

— Heitor…

— Tô perguntando. Só isso.

— A gente viaja pra um país lindo e você quer brigar por causa da minha roupa e maquiagem?

Ele respirou fundo.

— Não tô brigando. Só tô perguntando.

— Tá. E eu tô te respondendo: sim. Me arrumo assim porque eu gosto. E porque posso.

O silêncio entre eles foi cortado apenas pelo som do garfo dela batendo no prato.

De volta ao chalé, Luna subiu sozinha.
Tirou a roupa em silêncio. Entrou na banheira, sem chamar ele.

Minutos depois, ele apareceu na porta, encostado no batente, só de calça.

— Posso entrar?

— A água tá quase fria.

— Não ligo.

— Talvez eu ligue.

Heitor mordeu o lábio, o olhar mais escuro.

— Tá.

Ela olhou pra ele, cansada.

— Você tá voltando a ser aquele cara que tranca portas.

— É o medo.
De te perder.
De alguém ver o que eu vejo.
De alguém querer o que é meu.

— Eu não sou “seu”, Heitor. Já conversamos sobre isso.

Ele andou até a banheira e ficou ao lado dela.

— Então me diz: o que sou seu?

Ela pensou por um momento. Depois respondeu:

— Você é o homem que eu escolho.
Mas eu não escolho grades. Nem vigilância. Nem crise de ciúme disfarçada de cuidado.

Ele passou a mão pela água, tocando a perna dela.

— Tá.

Ela não respondeu.

Mas não recuou o toque.

Mais tarde, deitada no colchão frio, Luna se virou de lado e murmurou, com os olhos quase fechados:

— Eu esperei tanto tempo pra ver a neve.
E agora que tô aqui… sinto um gelo em você.

Heitor ficou em silêncio.

Ela então completou:

— Não estraga o que a gente tem… tentando me prender de novo.

Ele se aproximou por trás, abraçou ela pelas costas e sussurrou:

— Então me ensina a ser livre contigo.

Ela segurou sua mão. Forte.

— Começa por não me apertar tanto.

Ele entendeu.

E afrouxou o aperto.

Mas o gelo…
ficou ali.

Entre o medo de perder…
E o desejo de não estragar.

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