Ela Viajou para Dentro Dele: Capítulo 30 – O Peso da Escolha

Luna passou a madrugada acordada.

Sentada no chão do ateliê, com as pernas cruzadas e o celular abandonado ao lado, ela encarava as telas ainda inacabadas, os pincéis secos, as tintas misturadas.

Tudo o que ela era estava ali.
E tudo o que a levava para Nova York… também estava.

Mas agora ela sabia que parte desse caminho tinha sido pavimentado por Heitor.
Silenciosamente, nos bastidores.
Como quem planta uma estrada sem que o viajante perceba que está sendo guiado.

Ela se sentia traída.
Mas também se sentia… salva.

O gosto era amargo, confuso.
Ela não sabia se queria fugir ou abraçá-lo.

Quando amanheceu, Luna finalmente se levantou, vestiu uma roupa simples e foi até a varanda, onde Heitor já a esperava com duas xícaras de café.

O silêncio deles era quase confortável.
Quase.

— Vai me dizer alguma coisa? — ele perguntou, sem rodeios.

— Eu ainda tô digerindo.

— Você ainda tá brava.

— Tô.
Mas também tô consciente.
Você bancou tudo, sem me perguntar.
Você sabia que eu não aceitaria.
Então fez pelas minhas costas.

Heitor respirou fundo, olhando para o jardim.

— Você teria recusado?

— Talvez.

— Porque não quer dever nada a ninguém?

— Porque eu queria saber que era meu. Que o mérito era só meu.

— Luna… o mérito sempre foi seu.
Eu só ajudei a cortar os espinhos. O caminho continuava sendo teu.

Ela o olhou de lado.

— Você não me deu escolha.

— Eu te dei a chance de chegar mais rápido.

— Eu não precisava disso. Eu precisava que você confiasse que eu podia.

— Eu confiei.

— Não, Heitor. Você não confiou.
Você garantiu.
São coisas diferentes.

O vento soprou leve, carregando folhas secas pela varanda.
Os dois ficaram em silêncio por alguns segundos.

Luna finalmente disse:

— Eu vou.

— Eu sei.

— Eu vou, porque eu quero.
Não porque você facilitou.

— Eu sei.

— Mas você não vai mais decidir as coisas por mim.
Se quiser andar comigo, é comigo.
Se quiser me puxar, pode ir sozinho.

Heitor a olhou, firme, mas sem raiva.

— Eu já disse: eu não vou deixar você sozinha.

— Mas eu vou estar sozinha, Heitor.
Lá, no palco, na galeria, nos hotéis, nos voos.
Quem vai lidar com isso sou eu. Quem vai carregar os riscos, os olhares, as ofertas… sou eu.
Eu preciso estar preparada pra isso. Não você.

Ele encostou a xícara na mesa, cruzou os braços e falou baixo:

— Eu te amo, Luna. E você pode me odiar por isso, mas o que eu fiz foi por amor.
Eu não vou pedir desculpas.

— Eu também te amo.
Mas isso não te dá o direito de apertar as rédeas.

Ela se levantou, pronta para encerrar o assunto.

Mas antes de sair, se virou e disse:

— O que eu preciso agora é de um parceiro. Não de um guardião.

— Eu sei.

— Então me dá espaço. Me deixa ir.
Me deixa te escolher. Não me obriga a ficar.

Ele sorriu, um sorriso cansado, mas sincero.

— Eu só te ajudo a voar.
Eu não te puxo de volta. Eu só fico olhando da base da árvore.

— Você só promete?

— Eu prometo tentar.

Luna deu dois passos e depois voltou.

— Mas, Heitor, isso não quer dizer que eu quero te perder.

— E eu não quero te perder.
Mas às vezes amar é… soltar.

Ela se inclinou, beijou a testa dele, e sussurrou:

— Obrigada por ter acreditado em mim.
Mas da próxima vez, acredita e me deixa andar.

Ele fechou os olhos e, por um momento, pareceu aceitar.

Mas quando ela se afastou, a Alexa no canto da sala acendeu discretamente.
Um visor azul que nunca descansava.

Heitor olhou para ela e murmurou, quase sem som:

— Sozinha… você não vai.

Nos dias que seguiram, Luna focou nos preparativos.
Organizou seus quadros, ajustou os detalhes do transporte, conversou com os representantes da galeria.

Ela agia como se tivesse retomado o controle, como se estivesse finalmente no comando.

Mas algo dentro dela sabia: Heitor ainda mexia as peças de forma invisível.

E ainda assim, por algum motivo, ela seguia escolhendo ele.

A viagem se aproximava.
O embarque estava marcado.

E Luna sabia que, dessa vez, o que ela mais carregava na bagagem não era roupa, nem tinta, nem pincel.

Era o peso da escolha.

E talvez… também fosse o peso de não conseguir largar quem, mesmo controlando, nunca deixou de estar ali.

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem