Na penumbra do seu quarto, com o notebook no colo e os fones abafando o som do mundo real, Lucas criou algo novo. Não era um código, nem um vírus. Era uma ideia.
“Verdade Escolar”.
Esse foi o nome do perfil anônimo que ele criou em uma rede social usada por quase todos os alunos do Colégio São Bento. A foto de perfil era genérica — um boneco sem rosto — e a descrição, curta e certeira:
“Você não conhece o colégio como pensa. Mas eu conheço cada um de vocês.”
Na primeira noite, a página teve poucas visualizações. Mas Lucas sabia exatamente o que fazer. Postou uma pequena bomba:
“Um aluno do 9º ano conseguiu a resposta da última prova de geografia antes do dia da aplicação. E não, ele não estudou.”
Sem nomes. Só o bastante para acender a paranoia.
Em menos de uma hora, comentários começaram a surgir. Alunos acusando uns aos outros. “Será que foi o Davi?” “Aposto que foi a Júlia.” “Tem que denunciar!”
Lucas apenas observava. Na manhã seguinte, publicou mais uma:
“Dois professores discutiram dentro da sala dos professores. Motivo: um deles acusou o outro de passar alunos por favoritismo.”
O colégio ficou em choque. Ninguém sabia quem estava por trás da página, mas todo mundo a seguia. E mais importante: todo mundo acreditava. As informações eram específicas demais, pontuais demais, reais demais.
Logo, começaram a chegar mensagens diretas no perfil:
– “Posta isso sobre o Bernardo, ele traiu a Giovana.”
– “Tem uma professora que fala mal dos alunos, vou te mandar um print.”
– “Quer saber quem colou na prova de inglês?”
Lucas havia acendido o pavio. Agora, nem precisava mais procurar dados. Eles vinham até ele — anônimos, espontâneos, desesperados por atenção.
O colégio se tornou um lugar diferente. O que antes era só cochicho de corredor agora virava publicação. O medo era constante. Ninguém mais falava em voz alta sobre nada importante. Grupos de WhatsApp foram silenciados. Até os professores começaram a pisar em ovos nas conversas entre si.
E o mais fascinante para Lucas: tudo acontecia sem que ninguém soubesse que era ele. O garoto quieto, sempre com o notebook no colo, continuava invisível. Mas sua presença digital era como um veneno lento, impossível de detectar — e devastador.
Até que, numa tarde qualquer, ele recebeu uma nova mensagem direta.
Simples. Curta.
“Eu sei quem você é. E estou vindo atrás.”
Lucas releu a mensagem três vezes. Pela primeira vez, desde que começara tudo, sentiu algo diferente: não era medo… ele sabia que era apenas alguém querendo lhe assustar.
A mensagem permaneceu ali, no inbox da “Verdade Escolar”, como uma ameaça sussurrada:
“Eu sei quem você é. E estou vindo atrás.”
Lucas não reagiu de imediato. Não respondeu. Nem se alarmou. Respirou fundo, recostou-se na cadeira e começou a fazer o que fazia de melhor: investigar.
A primeira pista estava no próprio tom da mensagem. Muito direto. Sem evidência alguma. Era um blefe — ele sentiu isso na hora. Mas, mesmo assim, decidiu verificar. Com o rastreamento de IP anônimo, ele redirecionou a abertura da mensagem para um link encurtado com rastreamento. E assim, soube de onde veio: o acesso havia partido da rede administrativa do próprio colégio.
Alguém de dentro.
Nos dias seguintes, Lucas cavou mais fundo. Através de scripts ocultos no Wi-Fi do colégio — que ele ainda acessava com privilégios de administrador — ele identificou padrões de navegação, acessos a redes sociais e cruzamentos de horários. Não demorou.
O nome surgiu como um sussurro: Calandra.
Ela trabalhava na parte administrativa — não era professora, nem supervisora, mas sabia o suficiente para andar entre os setores e ouvir conversas. Calandra era discreta, mas não tanto quanto achava. Lucas cruzou horários de entrada dela com registros de uso de computador e confirmou o acesso à rede social, o envio da mensagem, e o local: a sala dos arquivos.
Não havia mistério. Era só mais uma pessoa querendo bancar a justiceira. Uma qualquer.
Mas Lucas nunca deixava passar.
Em vez de confrontar ou ignorar, fez o que sempre fazia: transformou em controle.
Foi então que percebeu algo curioso nas pesquisas de Calandra. Ela tinha feito várias buscas por um restaurante próximo ao colégio, o Cheiro Azul, e com frequência… nas mesmas datas e horários que o diretor, o Sr. Sombra. Um homem reservado, que raramente almoçava fora — mas quando o fazia, aparecia lá.
Lucas uniu os pontos. Calandra. Sr. Sombra. Almoços. Mesmos dias. Mesma mesa. Um padrão.
Era tudo o que ele precisava.
Na postagem seguinte da Verdade Escolar, lançou a isca com a sutileza que lhe era característica:
“Tem gente no administrativo que sabe muito… talvez porque esteja almoçando com quem manda no colégio. Cheiro Azul serve mais do que comida. Serve segredos também.”
O efeito foi imediato. Alunos começaram a especular. Comentários pipocaram com perguntas e insinuações. Alguns reconheceram Calandra. Outros sabiam dos almoços do diretor. A imaginação coletiva fez o resto.
Lucas observava, impassível. O poder não vinha só da informação — mas da sugestão bem posicionada.
A mensagem recebida? Um blefe.
A ameaça? Dissolvida.
Calandra? Silenciada.
E o caos? Alimentado.
Porque, no final, ninguém precisava saber que Lucas era o arquiteto por trás de tudo. Bastava que acreditassem que alguém sabia demais. E isso, naquele colégio, era o suficiente para manter todos sob seu domínio.
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