Luna passou a manhã deitada no sofá, enrolada no lençol branco como se fosse uma nuvem.
A luz filtrava pelas janelas abertas — pela primeira vez em semanas.
Heitor preparou o café.
Não perguntou nada.
Mas sabia.
Algo se anunciava no silêncio leve dos gestos dela.
Ela só falou depois da segunda xícara:
— Quero viajar.
Heitor parou no meio do movimento.
— Viajar?
Ela assentiu com a cabeça.
— Minha mãe… tô com saudade dela. Ela não entende o que tá acontecendo comigo. E nem eu. Mas… eu queria olhar nos olhos dela. E dizer que eu tô bem.
Heitor respirou fundo.
Sabia que esse dia chegaria.
Mas ainda assim, doía.
— Quando? — perguntou.
— Amanhã.
Silêncio.
Ela se aproximou.
Sentou ao lado dele.
Pegou sua mão.
— Não é uma fuga.
— Eu sei.
— É só… um tempo.
— Eu sei.
Ela sorriu, pela primeira vez com ternura tranquila.
— Eu volto, Heitor.
Ele apertou os dedos dela.
— Eu espero.
O resto do dia foi feito de detalhes.
Ela dobrou suas roupas com cuidado.
Colocou só o necessário na mochila.
Separou o novo caderno, o pincel favorito, a caneta azul.
Heitor assistia tudo em silêncio.
Mas em seus olhos havia algo diferente: confiança.
Medo também — mas coberto por um desejo de respeitar.
Na hora do jantar, Luna cozinhou.
Fez massa com champignons e ervas do jardim.
Serviu dois pratos.
Acendeu uma vela.
— Tô me sentindo dona da casa agora — disse, brincando.
Heitor riu.
— Sempre foi. Só não sabia.
Depois da louça lavada, da mesa limpa e da Alexa em modo noturno, eles se encontraram na sala.
O sofá parecia pequeno demais para os dois.
Ou, talvez, o momento fosse grande demais para o espaço que tinham.
— Você tá com medo de eu ir? — ela perguntou.
— Tô com mais medo de você não querer voltar.
Luna subiu no colo dele.
Sem aviso.
Sem hesitar.
— E se eu voltar com mais sede? — sussurrou no ouvido dele. — Com mais vontade?
Heitor engoliu em seco.
— A casa é sua.
— Não tô falando da casa.
Ela encostou a testa na dele.
— Eu tô falando de mim.
E então o beijo veio.
Não como antes — não como promessa tímida.
Mas como uma confirmação.
De desejo.
De entrega.
De saudade antecipada.
As mãos dela se perderam na nuca dele.
As dele, na cintura dela.
O tempo desacelerou.
Eles dormiram juntos naquela noite como se os corpos já tivessem aprendido um ao outro no escuro.
Como se a carne soubesse que, ao contrário do que dizem, distância não esfria. Apenas aquece o que ainda não queimou.
Na manhã seguinte, Luna saiu com o cabelo preso, mochila nas costas e o controle da casa no bolso.
Heitor a acompanhou até o portão.
Não chorou.
Não sorriu.
Apenas disse:
— Se você demorar muito, eu vou sentir sua falta do mesmo jeito.
Ela o abraçou apertado.
— E se eu não demorar?
— Então vou sentir a sua falta antes mesmo de você sair.
Ela atravessou a rua.
Virou a esquina.
Desapareceu por um momento.
E depois voltou o rosto, apenas para dizer:
— Tenta não trancar tudo dessa vez.
— Não vou.
— Prometo.
Quando ela partiu, a casa ficou em silêncio.
Mas não era mais um silêncio de cárcere.
Era o silêncio de quem espera com o corpo inteiro em brasa.