O céu do Chile amanheceu cinza, como se quisesse manter Luna por perto só mais um pouco.
O ar estava úmido, mas não frio. As montanhas ao longe ainda guardavam neve nos picos.
Luna caminhava pelo aeroporto com passos calmos, mochila nas costas, cachecol enrolado até o queixo.
Ao lado dela, Heitor arrastava a mala rígida de rodinhas, uma das mãos sempre próxima da dela — mas sem tocá-la.
Estavam mais distantes que antes. Mas estranhamente, mais conscientes também.
No balcão de check-in, tudo foi rápido.
Heitor já tinha feito o pré-registro online.
Cartões impressos. Etiquetas digitais.
Tudo milimetricamente planejado.
— Vamos? — ele perguntou, apontando para o elevador ao lado.
— Não é por ali? — ela indicou a área comum, com cadeiras lotadas e cafés barulhentos.
Heitor sorriu de canto.
— Não pra gente.
O elevador subiu um andar.
As portas se abriram para um corredor silencioso com paredes em madeira escura e uma recepcionista sorridente.
— Señor Heitor, bienvenido. Sala VIP está a su disposición.
Luna piscou, confusa.
— A gente vai… pra uma sala?
— Uma sala especial — disse ele, puxando-a com delicadeza.
O lugar era um contraste absoluto com o caos do saguão.
Poltronas largas. Iluminação suave. Música ambiente.
Pessoas de terno, mochilas de couro, perfumes caros.
E uma bancada repleta de doces finos, canapés e garrafas em gelo.
Luna arregalou os olhos.
— O que é isso tudo?
Heitor pegou duas taças.
— Sala VIP. Um benefício exclusivo pra quem tem cartão Infinite.
Poucos têm acesso. Mas quando têm… é assim.
Ela recebeu a taça de champanhe e girou o líquido dentro, encantada com as bolhas.
Ele a observava. Não com posse, mas com um certo orgulho contido.
— Isso tudo é por sua causa?
— É por nós.
Mas… sim, eu quis te trazer aqui pra você ver que nem tudo precisa ser luta, Luna.
Às vezes, você só entra… porque tem a chave certa.
Ela sorriu, discreta.
— Confesso que tô impressionada.
— Vai se acostumando.
Sentaram lado a lado em duas poltronas grandes de couro bege.
Serviram morangos, chocolates, água com gás.
Luna experimentava cada coisa como se estivesse descobrindo um mundo novo.
Mas Heitor… observava mais do que comia.
Às vezes, desviava os olhos para o vidro escurecido que mostrava a pista ao longe.
— Tá tudo bem? — ela perguntou.
Ele assentiu, mas com um sorriso que vinha pela metade.
— É que… essa parte é fácil. A difícil começa quando a gente pousar.
Ela entendeu.
Não respondeu.
Ficaram em silêncio.
Como duas pessoas que sabem que ainda vão tropeçar uma na outra — mas escolheram continuar andando.
Quando o anúncio do voo ecoou pelo sistema da sala, uma funcionária se aproximou.
— Señor Heitor, embarque prioritário. Podem me acompanhar, por favor.
Luna olhou surpresa.
— É por causa da sala VIP?
— Também. FastPass incluso.
Sem filas. Sem tumulto.
Sem empurra-empurra.
— Isso é tão… diferente de tudo que vivi.
— E você merece viver diferente, Luna.
Ela não respondeu. Mas apertou a mão dele por um segundo.
Foi um gesto curto. Mas sincero.
Seguiram pelos corredores reservados.
Enquanto a multidão se apertava nos portões comuns, Luna e Heitor passaram por uma entrada lateral, onde apenas dois outros passageiros esperavam.
Ao longe, a porta do avião se abriu.
— Pronta? — ele perguntou.
Ela olhou para a pista. Para o céu cinza lá fora.
E então respondeu:
— Acho que agora… sim.
Entraram juntos.
Mas o que voltaria com eles no porão da aeronave não era só a mala de roupas e lembranças.
Eram as camadas do que estavam se tornando.