Na véspera da viagem, Luna acordou mais cedo.
Tomou banho demorado, secou os cabelos na frente da janela, sentada, observando os primeiros flocos caírem de novo como se o Chile tentasse segurá-la ali por mais um tempo.
Fez café, preparou dois pães com queijo e esperou Heitor sair do quarto.
Quando ele apareceu na cozinha, ainda sonolento e de meias grossas, ela já estava sentada com uma xícara nas mãos.
— Dormiu bem? — ele perguntou.
— Dormi. Sonhei. Pensei.
Quero te perguntar uma coisa.
— Pergunta.
Ela colocou a xícara sobre a mesa, devagar.
— Você comprou as passagens de volta, né?
Silêncio.
Ele ficou de pé, parado no meio da cozinha.
— Sim.
— Quando?
— Dois dias atrás.
— Por que não me contou?
Ele respirou fundo.
— Porque eu achei que era o melhor momento.
E… também porque tive medo de você mudar de ideia.
— E se eu mudasse?
— Então eu perderia as passagens. Compraria outras.
Esperaria o tempo que fosse.
Ela o encarou com atenção.
— Esperaria mesmo?
— Sim.
— Porque eu tô com você. Não com a data.
Luna encostou as costas na cadeira. Os dedos faziam círculos na borda da xícara.
— Quando você faz isso… me deixa sem saber se devo acreditar.
— Eu tô falando sério.
— Eu sei.
Mas você também falou sério quando me trancou pela primeira vez.
Quando não me deixou responder mensagens.
Quando mandou a Alexa me vigiar.
— Isso foi antes.
— Foi há um mês, Heitor.
Ele baixou o olhar.
Ela não estava com raiva — estava só firme.
Passaram o resto do dia em silêncio leve.
Andaram pelo centro. Compraram lembrancinhas.
Riram de um cachorro de botas correndo na neve.
Mas agora havia algo mais sólido entre eles.
Não paz, exatamente.
Mas uma trégua honesta.
À noite, ela sentou no chão com as passagens na mão.
— A gente vai amanhã?
Heitor a olhou, deitado na cama.
— Só se for porque você quer.
Ela fechou o envelope. Devolveu pra mochila.
— Vamos.
Mas, dessa vez, sabendo que a porta tá aberta dos dois lados.
Ele sorriu.
— Sempre esteve.
Ela respondeu:
— Não.
Mas talvez agora esteja começando a abrir.
Mais tarde, já deitados, o abajur lançava uma luz baixa sobre os lençóis.
O silêncio era confortável, mas denso.
A viagem estava ali entre eles, como um animal dormindo no pé da cama.
Heitor virou o rosto devagar e quebrou o silêncio:
— Sobre a sua pergunta mais cedo…
Se você quisesse ficar mais tempo…
Reafirmo minha resposta "Sim, eu deixaria."
Ela novamente virou os olhos em sua direção, e novamente perguntou.
— Mesmo?
— Mesmo, mantenho minha resposta aqui também.
Eu concordaria em ficar mais tempo, desde que eu estivesse com você.
E isso fosse o que você realmente quisesse.
Luna não respondeu de imediato.
Mas seu corpo relaxou um pouco.
— Obrigada por reafirmar isso.
Heitor a olhou, tentando decifrar o que vinha depois.
No fim, ambos sabiam:
algumas viagens são mais profundas do que qualquer passagem de avião pode alcançar.
E o retorno, dessa vez…
não seria só físico.
Seria uma travessia de dentro pra fora.
E então... Eles terminaram de fazer as malas juntos.