Ela Viajou para Dentro Dele: Capítulo 26 – A Noite da Exposição

A chuva fina caía sobre a cidade como um véu cinza e calmo.
E ainda assim, Luna saiu de casa com os cabelos soltos, maquiagem leve e os olhos carregados de uma ansiedade que nem ela sabia nomear.

Usava um vestido preto com cortes assimétricos que deixava parte das costas à mostra.
Tinha um ar misterioso, maduro, artístico — como alguém que, enfim, decidira ocupar o próprio nome com orgulho.

Heitor, ao vê-la descer as escadas, engoliu em seco.
Estava de camisa escura e calça social, um blazer pendurado no braço.
Mas nenhum acessório era mais evidente nele do que o olhar.

— Você tá linda — disse, enfim, tentando não parecer pequeno diante da grandeza dela naquela noite.

— Eu sei — ela respondeu, sorrindo com doçura.
Mas sem vaidade.
Apenas… consciência.

A galeria ficava num prédio antigo da zona oeste.
Janelas grandes. Lâmpadas penduradas. Música ambiente. Vinho branco em taças de vidro fosco.

O evento do coletivo Kroma reunia artistas novos e olhares atentos.
Havia jornalistas, curadores, e outros pintores tão ansiosos quanto ela.

Heitor segurava sua mão enquanto entravam.
Mas ao cruzar a porta, Luna soltou — como quem precisava do próprio ar para crescer.

— Quer um vinho? — ele perguntou.

— Quero. Branco, se tiver.

— Vou buscar.

E assim ele ficou para trás, observando enquanto ela era cercada por outros artistas, por olhares curiosos, por perguntas sobre técnicas e inspirações.

Seu quadro, “Círculos”, estava bem no centro da parede de fundo.
Imenso. Marcante. Com cores girando como redemoinhos inacabáveis.
Na parede ao lado, um trecho escrito por ela:

“Às vezes, andar em círculos é o jeito mais honesto de sair de um lugar.
Mas pra isso, você precisa saber quem está no centro do seu giro.”

Heitor leu. Duas vezes.

A primeira, com orgulho.
A segunda, com um leve desconforto.

Porque sabia que ali, no fundo do quadro, no fundo da frase… ele estava.

— Esse aqui é o artista? — perguntou um dos curadores, apontando para Heitor ao lado de Luna.

— Não — ela respondeu com firmeza. —
Esse aqui é o cara que segurou a escada enquanto eu subia.

Heitor sorriu, levemente envergonhado.
Mas por dentro, algo se contorcia.

Ela era dela e não dele.

E mesmo o amor que ele sentia não podia mudar isso.

Com o passar das horas, Luna foi cercada por elogios.
Pessoas pediam seu contato.
Alguns queriam comprar quadros.
Outros, fazer matérias.

Heitor voltou com a segunda taça de vinho, mas ela já estava conversando com um grupo animado.
Ele esperou do lado.
Cinco minutos.
Dez.
Quinze.

Ela o viu — e sorriu. Mas não saiu do grupo.

Ele se afastou, discretamente.

Foi até o fundo da galeria, onde penduraram as obras de outros artistas.

Ficou ali, de mãos nos bolsos, fingindo interesse.
Mas a cabeça estava cheia de vozes:

Ela tá brilhando.
Você devia estar feliz.
Por que tá doendo, então?

Mais tarde, no banheiro, Heitor se olhou no espelho.
A luz branca destacava as olheiras. O terno alinhado parecia sufocar.

— Você não é o centro — sussurrou.
— E tudo bem.

Quando voltou para a galeria, Luna o viu de longe e foi até ele.

— Onde você tava?

— Te dando espaço.

— Pensei que tinha ido embora.

— Nunca.
Eu só precisei… respirar.

Ela tocou o rosto dele, suave.

— Obrigada por ter vindo.
Por ter ficado.
Por ter me deixado… ser.

— Foi difícil. Mas eu tô aqui.

— Eu sei.

— Eu te amo, Luna.

Ela respondeu sem hesitar:

— Eu também te amo, Heitor.
Mas lembra do que eu disse?
Amor não é coleira.
É bússola.

Ele assentiu.

E, por um instante, aquele foi o maior gesto de maturidade que já existiu entre eles:
ele não pediu mais.
Ela não explicou mais.

Apenas seguiram juntos, lado a lado, sem que um precisasse diminuir para o outro brilhar.

No fim da noite, já no carro, ela encostou a cabeça no ombro dele.

— Eu tô cansada.

— Você foi maravilhosa.

— Eu fui eu.
E você… me deixou ser.
Obrigada por isso.

Heitor beijou a testa dela.

— Se eu te tivesse impedido, teria sido como pintar por cima de uma obra pronta.

— E você sabe o que acontece quando alguém faz isso?

— O quê?

— Perde a original.
Pra sempre.

Silêncio.

Longo. Denso.
Mas dessa vez… não pesado.
Apenas necessário.

Chegaram em casa tarde.
Descalçaram-se na porta.
Luna tirou os brincos. Heitor soltou a gravata.

Sentaram-se no chão da sala, cercados de silêncio e luz baixa.

Ela virou o rosto para ele.

— Sabe o que eu pensei hoje?

— O quê?

— Que amar você é como andar no limite de uma corda bamba.
Mas hoje… a corda ficou mais larga.

Heitor sorriu.

— E se um dia você quiser parar de andar?

— Aí eu sento. No meio da corda. E espero você vir me encontrar.

Naquela noite, dormiram de mãos dadas.
Sem pressa. Sem corpo colado.
Apenas dois mundos que decidiram girar no mesmo ritmo.

E pela primeira vez… não havia medo ali.
Só escolha.

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