A repercussão da exposição foi como um raio silencioso que percorreu todas as veias da rotina de Luna.
Na manhã seguinte, o celular não parava de vibrar.
Convites para entrevistas, seguidores novos, propostas de parceria, elogios de perfis renomados do meio artístico e, o mais surpreendente, um e-mail de uma editora interessada em publicar uma coletânea com seus textos e quadros.
Luna pulava entre mensagens com os olhos brilhando, cabelo preso de qualquer jeito, usando a camiseta preferida de dormir, já velha demais para qualquer outra ocasião.
Mas naquele dia, ela usava como se fosse armadura.
Heitor a observava da cozinha, apoiado no balcão, a xícara esquecida ao lado.
Ela ria. Ela digitava. Ela era… plena.
E por um instante, ele se perguntou:
onde estou nisso tudo?
— Isso tá ficando grande, né? — ele comentou, tentando parecer leve.
— Enorme. Eu ainda tô processando tudo.
Tem uma galeria de Belo Horizonte me convidando pra uma mostra em setembro, e outra pessoa interessada em adquirir “Círculos” pra coleção privada.
— Uau.
Ela se virou, sorridente:
— Eu tô vivendo o que eu sonhei por anos, Heitor. E de repente… tá acontecendo.
Ele assentiu, mas a expressão dele era neutra demais.
— E… você tá preparada pra tudo isso?
Ela hesitou.
— Não totalmente. Mas eu quero aprender.
Quero ir sentindo, testando, decidindo com calma.
Heitor puxou uma cadeira e se sentou, os dedos entrelaçados sobre a mesa.
— Então deixa eu te ajudar.
— Como assim?
— Eu pensei bastante e… quero investir em você, Luna.
Na sua arte. Na sua carreira.
Quero ser alguém que te impulsione — não que te segure.
Ela arqueou as sobrancelhas, surpresa.
— Você quer investir?
— Sim. Um fundo seu. Particular.
Você não vai mais precisar escolher propostas por falta de grana ou depender de gente que quer te usar.
Você vai ter liberdade.
Posso montar um ateliê pra você, contratar alguém pra cuidar das redes sociais, comprar o melhor material, fechar sua logística.
— Heitor…
— Eu já conheço esse meio, mesmo que de fora. Tenho contatos. Sei como funciona.
E mais do que tudo… eu preciso estar por dentro. Preciso saber das coisas, Luna.
Não pra controlar.
Mas porque se algum filho da puta tentar te explorar ou apagar sua luz,
eu quero poder defender você com tudo que eu tenho.
Ela o olhou, com os olhos mais calmos do que ele esperava.
— Você tá me oferecendo muito.
— Tô.
Mas é porque eu acredito em você.
E… porque preciso encontrar um lugar onde eu ainda faça sentido nisso tudo.
Silêncio.
Depois ela se aproximou, sentou-se de frente pra ele e falou com firmeza:
— Eu aceito a sua ajuda.
Mas não aceito coleira dourada.
Eu preciso saber que posso decidir. Que você vai respeitar meus limites.
Que eu sou dona da minha imagem, da minha arte, do meu tempo.
— E eu sou o quê?
— Você é a pessoa que eu amo.
A pessoa que me viu antes de todo mundo.
Mas o amor, Heitor…
não pode ser argumento pra me manter em vitrine de vidro.
Ele respirou fundo, e depois assentiu devagar.
— Me promete só uma coisa então.
— Diga.
— Se um dia você estiver numa sala cheia de gente aplaudindo…
e eu estiver no fundo, só observando…
me olha.
Só por um segundo.
Só pra eu saber que ainda tô ali, mesmo no meio da multidão.
Ela sorriu, suave.
— Eu prometo.
No fim da semana, Luna foi chamada para uma sessão de fotos com uma equipe jovem e alternativa.
Dois fotógrafos, uma stylist com cabelo azul, uma maquiadora argentina que falava em espanhol misturado com português.
Ela se vestiu com um conjunto de alfaiataria preto, o rosto quase sem maquiagem, mas com a expressão de quem tinha acabado de encontrar seu lugar no mundo.
Heitor ficou em casa.
E tentou, com todas as forças, fingir que não sentia o que sentia.
Mas a cada notificação… a cada nova imagem postada dela sorrindo com o outro fotógrafo, encostada na parede de concreto, olhando a câmera como quem desafia o mundo…
ele sentia de novo aquela velha pontada.
E se ela descobrir que não precisa mais de mim?
Quando Luna voltou, ainda com resquícios de iluminador no rosto, ele fingiu estar tranquilo.
— Como foi?
— Lindo. Libertador.
— Se divertiu?
— Muito. E acho que ficou bom.
— Você vai mostrar as fotos pra mim depois?
— Claro.
— Eles foram… profissionais?
Ela o olhou, entendendo a pergunta escondida ali.
— Foram, Heitor.
Eu tô com você.
Mas preciso ser minha também.
Naquela noite, já deitados, ele virou-se pra ela.
— Eu quero ser seu investidor.
Mas mais do que isso…
quero ser sua base.
— Você já é.
Mas só vai continuar sendo se não tentar ser teto também.
Ele sorriu de lado.
— Então me avisa se eu passar da linha.
— Eu sempre aviso.
Ela encostou a cabeça no peito dele.
— E você, Heitor…
quando olha pra mim agora, com tudo mudando…
tem medo?
Ele demorou a responder.
— Tenho.
Mas é um medo bom.
Porque me lembra que você é real.
E tudo que é real pode partir.
Mas tudo que é real também pode escolher ficar.
Ela fechou os olhos, ouvindo a batida do coração dele.
E pensou que, por enquanto, ficar ali era tudo que ela queria.