Ela Viajou para Dentro Dele: Capítulo 28 – Rachaduras

O sucesso de Luna crescia como hera viva — subia pelas paredes da casa, tomava os cantos mais silenciosos, e florescia nos olhos dela cada vez que pegava o celular.

Notificações. Convites. Elogios públicos.
E, finalmente, o e-mail mais esperado:
uma galeria em Nova York não só queria sua arte — queria ela lá, presencialmente, como uma das representantes da nova geração de artistas visuais latino-americanos.

Quando ela entrou no quarto com o celular na mão, os olhos brilhando de um jeito quase infantil, Heitor já sabia que havia algo no ar.

— Chegou. — disse, ofegante.

— O quê?

— O convite da galeria de Nova York. Eles confirmaram. Eles querem minha série inteira. Até a “Raiz Oculta”… Eles disseram que aquela obra causou impacto na curadoria. Você acredita?

Heitor fechou o notebook devagar. A luz da tela ainda piscava em sua pupila.

— E o que isso significa?

— Que eu vou. Eles cobrem a viagem, o hotel e o transporte das obras. Eu só preciso organizar meus documentos e providenciar o visto. Já falei com o coletivo, eles estão todos animados. Vai ser a maior mostra da minha vida. 

Ela falou rápido, sem respirar, como quem está tão alto que esquece do chão. O que ela não sabia, é que tinha o dedo de Heitor no meio disso tudo.

Mas ele… permaneceu imóvel.

— Você vai… sozinha?

Luna parou.

— Como assim?

— Você vai viajar pros Estados Unidos sozinha?

— Heitor, é uma viagem profissional. Uma mostra internacional. Um evento sério. Claro que eu vou sozinha. Não é turismo, nem fuga. É trabalho.

Ele se levantou. Devagar.

— Eu já estive em eventos assim. Não como artista, mas como acompanhante de clientes, investidores, empresários.
Eu sei o que acontece por trás dos sorrisos.
Gente poderosa se aproveita de gente talentosa.
Gente com dinheiro fazendo promessas em troca de coisas que não são parte do contrato.

Luna cruzou os braços.

— E o que exatamente você tá dizendo?

— Que você não vai sozinha.

— Você tá brincando.

— Não tô.
Se você for, eu vou com você.

— Heitor… você já percebeu que isso não é sobre você? Que essa é a minha arte, o meu momento, a minha voz?
Que eu não sou tua sombra?

— E você já percebeu que é porque eu me importo que eu não deixo você ir sozinha?
Você é minha parceira. E se o mundo quer te ver brilhar, eu sou quem segura o refletor.
Mas também sou quem tira do palco quem tentar te apagar.

Luna deu um passo atrás.

— Isso é o que você chama de amor?

— Isso é o que eu chamo de presença.

— Não é presença, Heitor. É vigia.
É controle disfarçado de proteção.
Você não tá tentando andar comigo. Tá tentando andar em cima de mim.

Ele se aproximou um pouco mais. Mas havia algo diferente no olhar: não fúria, nem desespero — apenas convicção.

— Você não vai sozinha.
E ponto.

Ela arregalou os olhos.

— Você tá me proibindo?

— Tô te dizendo que se você tentar ir sozinha, vai ser sem meu apoio, sem meu nome junto.
E talvez você não ligue pra isso agora…
Mas vai perceber lá fora o peso de não ter ninguém de verdade por perto.

Luna ficou calada. Mas seus dedos tremiam.

Ao fundo, a Alexa — silenciosa até então — acendeu sua luz azul. Sem comando. Sem som.
A casa, mais uma vez, parecia reagir.
Como se estivesse sempre ouvindo.

Ela notou.

— Você reconfigurou a casa, não foi?

Heitor desviou os olhos.

— Fiz alguns ajustes.

— Que tipo de ajustes?

— Nada que te impeça.
Mas o suficiente pra garantir que, se algo acontecer… eu fique sabendo.

Ela passou as mãos pelo rosto.
Engoliu seco.

— Você disse que eu tinha liberdade.

— E tem.
Mas a liberdade não inclui se colocar em risco.

— E quem define o que é risco? Você?

— Se for pra te proteger… sim.

Luna riu. Um riso cansado, que nasceu na garganta e morreu nos lábios.

— Você tá me transformando num projeto teu, Heitor.
E eu não sou seu projeto.

Ele se aproximou mais uma vez. Dessa vez, não com os braços, mas com a voz:

— Então anda comigo.
Mas não me peça pra assistir você sendo devorada só pra provar que sabe gritar.

Ela desviou o olhar.

Naquele momento, entendeu que Heitor não tinha mudado.
Tinha apenas recuado o suficiente pra esperar o momento certo de avançar de novo.

E agora, com sua arte crescendo, ele temia que ela crescesse além do toque dele.

A Alexa ainda brilhava, em silêncio.

Luna a encarou.

— Você também acha que eu não posso ir sozinha?

Mas a assistente ficou muda.

Só a respiração deles preenchia a casa.

Heitor então disse a última frase da noite. A frase que não deixou espaço para dúvidas.

— Você não vai sozinha.
E ponto.

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