Ela Viajou para Dentro Dele: Capítulo 29 – O Financiador

O convite para a nova reunião chegou por e-mail na manhã seguinte.
Luna já não comemorava com a mesma euforia.
O brilho que antes parecia um novo mundo agora vinha sempre com um alerta no peito.

O evento era simples: um encontro virtual com os organizadores da galeria em Nova York e representantes do coletivo brasileiro. Um alinhamento final antes de formalizar os contratos.

Heitor não comentou nada.
Mas ficou em casa o dia todo, caminhando de um lado para o outro, fingindo distração, mas sempre atento.

Quando a reunião começou, Luna se conectou no ateliê, portas fechadas, fones nos ouvidos.
O coração ainda batia acelerado por tudo o que ele havia dito na noite anterior.

“Você não vai sozinha. E ponto.”

Mas agora… agora ela estava ali, prestes a discutir os detalhes finais da viagem que, até onde ela sabia, era dela.

Os curadores eram gentis. Cordiais. Sorriam muito, com aquele entusiasmo elegante de quem já havia lidado com grandes artistas.

— Luna, seu trabalho é ousado, orgânico, visceral. É isso que queremos. O público americano está pronto para sentir o que você tem a dizer — disse um dos curadores.

Ela sorriu, um pouco nervosa.

— Estou animada com a oportunidade. Só queria entender melhor como será a logística. Ainda estou organizando os documentos para o visto, mas…

O responsável pela produção internacional interrompeu, com naturalidade:

— Não se preocupe, seu patrocinador já adiantou parte da documentação e dos trâmites com a agência de turismo parceira. Você só precisa comparecer no dia da entrevista no consulado. Inclusive, ele já providenciou as passagens, hospedagem e o transporte das obras. Está tudo sob controle. Ele foi extremamente generoso e eficiente.

Luna franziu o cenho, confusa.

— Meu… patrocinador?

— Sim — o produtor disse como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. — O senhor Heitor já está em contato com a nossa equipe há algum tempo. Desde as negociações iniciais, aliás. Foi ele quem articulou boa parte do que estamos viabilizando.

Um gelo atravessou o peito de Luna.

— Perdão — ela disse, tentando manter a compostura — você pode repetir? O senhor Heitor…?

— Sim. Ele foi essencial no financiamento. Sem ele, esse projeto provavelmente não teria avançado tão rápido. Vocês formam uma dupla rara — talento e suporte financeiro caminham juntos. Estamos muito felizes de tê-los conosco.

Luna quase largou o notebook.
Sua respiração falhou.
O mundo pareceu girar.

Eles continuaram explicando os detalhes. Mas ela não ouviu mais nada.
As palavras foram ficando abafadas, distantes.

Quando a reunião acabou, Luna fechou o notebook com um estalo.
Ficou parada no centro do ateliê por longos minutos.

Heitor entrou, sorrindo leve, como se tivesse acabado de acordar.

— Como foi?

Ela o encarou.
Demorou um pouco para falar.

— Foi produtiva.

Ele se aproximou, desconfiado da neutralidade dela.

— É sério? Gostaram de você?

— Gostaram. E também gostaram muito… do meu patrocinador.

Heitor parou.
A tensão cresceu no ar.

— Você sabia que eu ia descobrir?

— Sabia. Mas preferi que fosse por eles, não por mim.

— Você tá me financiando sem me contar?

— Não queria te deixar preocupada com as burocracias.

— Você não queria me deixar no controle.

Ele suspirou, mas não tentou negar.

— Eu só quero te dar estrutura. Você sabe como é difícil conquistar esses espaços.
Você tem talento, Luna. Você é gigante. Mas mesmo os gigantes precisam de alguém segurando a escada.

— Eu não te pedi escada. Eu te pedi espaço.

— Eu não quero que você caia.

— Talvez cair fosse um risco meu.

Ela começou a andar de um lado para o outro, sentindo o peito ferver.

— Você tá comprando meus passos, Heitor. E sabe o que é pior? Sem você, talvez eu nem tivesse conseguido dar os primeiros.

— Eu não estou te comprando. Estou te investindo.
Eu acredito em você. Eu quero que você vá mais longe.

— Mas só se você estiver por perto pra supervisionar, né?

— Não.
Só se eu puder estar por perto pra… te defender.

Luna fechou os olhos.

Parte dela queria gritar.
Parte dela queria chorar.
Parte dela queria simplesmente agradecer.

E talvez fosse isso o que mais a machucava:
O fato de que, mesmo furiosa, ela sabia que estava ali por causa dele.

— Eu queria ter conseguido sozinha.

— Você conseguiu.
O que eu fiz foi só acelerar.

— Você sabia que eu jamais deixaria de ir se fosse minha decisão, né?
Então você me tirou a escolha.
Você me prendeu de novo.
Com um laço bonito, mas ainda assim, um laço.

Heitor se aproximou devagar.

— Eu não vou pedir desculpas por te proteger, Luna.

Ela piscou rápido, lutando contra as lágrimas.

— E eu não vou agradecer por você ter feito isso sem me perguntar.

O silêncio se instalou como um terceiro personagem entre eles.

Ela saiu da sala sem dizer mais nada.

Heitor ficou parado, sentindo o gosto amargo da vitória que, dessa vez, não parecia doce.

No corredor, ao passar pela Alexa, Luna parou.
Olhou o visor azul aceso.

— Eu tô sozinha aqui? — perguntou, quase num sussurro.

A luz piscou duas vezes, como quem responde: não.

E Luna finalmente entendeu que talvez nunca tivesse realmente estado.

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