Meia-noite.
A hora oficial do Jogo das Máscaras.
As luzes da casa foram reduzidas a um tom âmbar, quase dourado.
A música cessou de repente, e a Alexa anunciou, com uma voz programada, porém estranhamente mais humana:
— O jogo começa agora.
Vocês terão uma hora.
Quem encontrar a máscara perdida será o vencedor.
As regras eram simples:
Em algum lugar da casa havia uma máscara especial, decorada com penas negras e detalhes dourados.
Quem a encontrasse poderia solicitar um desejo aos anfitriões.
Era, claro, apenas uma brincadeira.
Ou pelo menos deveria ser.
— Isso estava combinado? — Luna perguntou a Heitor, de olhos semicerrados.
— Parte foi. Mas a Alexa acabou… se adaptando.
— Como assim, se adaptando?
— Eu deixei o sistema livre para criar variações. Ficar muito previsível seria chato, não acha?
— Ou perigoso — ela murmurou, desconfiada.
A casa, agora repleta de corredores semi-iluminados, tornou-se um verdadeiro labirinto de sussurros, sombras e passos apressados.
Convidados mascarados se espalharam, abrindo portas, explorando cômodos, vasculhando cada canto em busca da tal máscara perdida.
Luna e Heitor se separaram temporariamente.
Ela queria brincar, queria descobrir o que era verdade e o que era invenção.
Mas, em alguns momentos, sentiu-se observada demais.
Cruzou com um convidado usando uma máscara preta de bico longo, estilo veneziana.
— Boa sorte na sua busca — disse ele, com uma voz abafada e um sotaque que Luna não reconheceu.
Quando ela se virou para perguntar quem era, ele já havia sumido.
A figura de máscara vermelha continuava aparecendo, sempre rápida demais para ser identificada.
Uma vez, Luna jurou tê-la visto ao lado da escada.
Outra vez, parada diante da biblioteca.
E foi lá que Luna decidiu entrar.
O cômodo estava escuro, com as cortinas pesadas bloqueando qualquer luz da rua.
O cheiro de livros antigos e cera de vela impregnava o ar.
Ela acendeu uma das pequenas luminárias e, ao se virar, encontrou um envelope preto sobre a mesa.
Dentro, apenas uma nova frase:
“Algumas máscaras caem. Outras se tornam parte de quem você é.”
Ela engoliu seco.
— Ok, Heitor, muito boa essa, hein? — falou sozinha, tentando se convencer de que ainda era parte do jogo.
Foi quando a porta da biblioteca se fechou com um estrondo.
Luna girou a maçaneta. Estava trancada.
Antes que pudesse chamar por ajuda, a Alexa acendeu sua luz azul e falou:
— Nem tudo é programado.
Nem tudo foi planejado.
Alguns convidados chegaram por conta própria.
— Isso ainda é o jogo, né? — ela sussurrou, cada vez menos certa.
A porta se abriu sozinha, e Luna saiu apressada, encontrando Heitor no corredor.
— Você sabia disso? Que alguns convidados vieram sem serem convidados?
— Alguns? Como assim?
— A Alexa disse isso. E eu vi. Tem gente aqui que… não é da nossa lista.
Heitor a olhou com seriedade, tirando a máscara por um segundo.
— Eu controlei tudo, Luna. Eu controlei. Eu… eu acho.
— Você “acha”? — ela disse, com o coração acelerado. — Você não está no controle?
— Eu estou. Estava.
Ela tocou o rosto dele, tentando entender se era mais um dos seus jogos.
— Isso ainda é parte da brincadeira, não é?
— Não tenho certeza.
Os convidados continuavam pelo salão, rindo, procurando a máscara perdida.
Mas agora Luna já não sabia mais o que era o jogo e o que era real.
A figura de máscara vermelha reapareceu, parada diante da porta principal.
Luna a seguiu.
Mas quando chegou ao hall de entrada, só encontrou um novo envelope, caído no chão.
“Algumas máscaras você escolhe. Outras… escolhem você.”
Ela sentiu um calafrio.
Quando voltou para o salão, um grito de excitação ecoou:
— Eu encontrei! Eu encontrei a máscara!
Todos se aproximaram.
Era a máscara perdida: penas negras e detalhes dourados, como descrito.
Mas quem a segurava… era a pessoa com a máscara vermelha.
Heitor se aproximou, analisando a cena.
— Quem é você? — ele perguntou.
O convidado virou-se lentamente, mas não retirou a máscara.
— Eu só vim buscar o que é meu.
E antes que alguém pudesse impedir, ele desapareceu entre a multidão.
A Alexa acendeu novamente, repetindo uma última frase:
— O jogo continua. Nem todas as máscaras foram retiradas.
Luna encarou Heitor, o coração ainda acelerado.
— Você tem certeza que controlava tudo?
— Não mais.
Ela respirou fundo, o sorriso voltando devagar aos lábios.
— Sabe… talvez isso torne o jogo ainda mais interessante.
Ele puxou-a para um beijo, tentando recuperar o controle.
Mas naquela noite, talvez ninguém mais tivesse controle de nada.
A festa ainda estava longe de terminar.
E o próximo movimento… não estava nas mãos deles.