Quando Henrique e Davi saíram daquele galpão, com o HD vazio e as roupas amassadas pelo longo turno da madrugada, o mundo lá fora parecia o mesmo. O trânsito seguia lento nas ruas de Santa Helena do Vale, os cafés já estavam abertos, as pessoas andavam sem pressa, como se nada tivesse acontecido.
Mas, para eles, tudo havia mudado.
As provas que os incriminavam estavam apagadas. O perigo de uma prisão iminente parecia ter se dissipado no ar, como um pesadelo que finalmente terminara. O alívio foi imediato, como se uma tonelada tivesse sido arrancada de seus ombros. Por um instante, respiraram fundo e sentiram que haviam vencido o jogo.
Mas a sensação não durou.
O que veio depois foi muito mais cruel.
O que parecia liberdade era, na verdade, uma nova forma de prisão.
Henrique sentiu primeiro. Nas manhãs seguintes, começou a carregar um peso invisível, como se houvesse sempre alguém observando, alguém no controle, alguém pronto para puxar a coleira a qualquer momento. As noites, que deveriam ser de descanso, tornaram-se um desfile interminável de insônia. Ele se levantava várias vezes, checava o celular compulsivamente e revia as últimas mensagens. O medo da ligação de Vírus o perseguia como um fantasma.
Davi, mais prático e menos emocional, tentou voltar à rotina. Mas algo dentro dele havia mudado. Cada caso que chegava à delegacia parecia insignificante. Cada operação policial parecia ridícula diante do que haviam feito. Nada mais parecia grave o suficiente. Porque, no fundo, ele sabia: a verdadeira ameaça estava do lado deles agora.
A coleira que Vírus colocara ao redor de seus pescoços era invisível, mas pesava mais do que algemas de aço.
Dias se passaram. Depois semanas. Nenhum contato. Nenhuma mensagem. Nenhuma cobrança.
Esse silêncio foi o que mais os torturou.
Eles imaginavam que o chamado viria logo, que o preço seria cobrado rapidamente. Mas Vírus sumiu, como se nunca tivesse existido. E isso os deixava ainda mais paranoicos. O inimigo mais perigoso não era o que aparecia batendo à porta — era aquele que assistia de longe, que esperava o momento certo para apertar o botão.
Henrique tentava acalmar-se dizendo a si mesmo que talvez Vírus nunca mais os procurasse, que talvez ele fosse apenas um hacker oportunista e que a ameaça havia sido um blefe para garantir sua segurança.
Mas Davi sabia. Sabia que alguém como Vírus não faz blefes. Sabia que, em algum lugar, ele estava apenas aguardando, calculando, preparando o momento ideal para reaparecer.
Os dias voltaram a parecer normais, mas não havia paz.
Eles escaparam da justiça. Mas agora pertenciam a outro dono.
A sensação de estarem sendo constantemente vigiados os corroía. O medo de que uma ligação pudesse vir no meio da madrugada os mantinha prisioneiros em suas próprias rotinas. E a cada minuto que passava, a dívida com Vírus crescia, mesmo sem juros. Crescia porque o silêncio era mais ameaçador do que qualquer cobrança direta.
Eles estavam livres. Mas não estavam livres.
Henrique e Davi aprenderam, tarde demais, que algumas dívidas não podem ser pagas. Só podem ser carregadas.
E no fundo, eles sabiam: a coleira já estava no pescoço. Restava apenas saber quando seria puxada.
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Sombras do Vale