Código Anônimo: Capítulo Final — Presente de Despedida

O fim do ano chegou, e com ele, a promessa da formatura. O Colégio São Bento, decorado com luzes cintilantes, enfeitava seus corredores com guirlandas e falsos votos de paz, como se os últimos meses de tensão e boatos não tivessem existido.

Lucas observava tudo com a mesma serenidade de sempre, sentado no canto da biblioteca, com o notebook no colo. Olhos baixos, notas perfeitas, comportamento exemplar. Um modelo de aluno. Um doce de menino.

Ninguém suspeitava.

Ninguém nunca suspeitou.

Mas ele sabia que precisava de um último ato. Algo memorável. Algo que garantisse sua assinatura silenciosa na história do colégio — sem jamais dizer seu nome.

Na penúltima semana de aula, às 3h47 da manhã, Lucas fez o upload da última publicação da Verdade Escolar:

Quem fala demais… entrega demais.
Lista completa dos que alimentaram o caos:
 1. Julia M. — ‘o professor de inglês sempre entra atrasado’
 2. Rafael C. — ‘vi a coordenadora saindo da sala do diretor com batom borrado’
 3. Bianca L. — ‘a inspetora fuma escondido no banheiro do 2º andar
(e a lista seguia com mais de 60 nomes).

Cada um identificado. Sem distorções. Sem proteção. Uma espécie de ajuste de contas com seus próprios delatores.

A escola entrou em choque.

Mas era tarde demais.

Na manhã seguinte, enquanto os burburinhos corriam mais rápido que a chamada da primeira aula, Lucas executou sua última travessura digital: acessou remotamente o painel do roteador do colégio e mudou o nome da rede Wi-Fi para “FOI VOCÊ, CALANDRA?”.

Foi impossível não notar. O nome da rede aparecia em todos os celulares. Alguns alunos caíram na gargalhada. Outros arregalaram os olhos. A direção mandou desligar a rede. Mas o estrago já estava feito.

A última provocação. O golpe final.

Na semana da formatura, Lucas se superou. Com um sorriso gentil, percorreu cada sala da diretoria e dos professores entregando presentes embrulhados em papel dourado com laço vermelho. Um por um.

Panetones da Cacau Show. Personalizados. Nome de cada professor estampado com carinho no cartão.

Todos receberam — todos os professores, coordenadores e membros da diretoria.

Exceto dois.

Na sala dos professores, havia duas cadeiras vazias. A da professora de Biologia, Lorena, e a da secretária administrativa Calandra. Ambas não encontraram nada sobre suas mesas.

Nem cartão. Nem panetone.

Só o silêncio.

Elas sabiam.

Ou, pelo menos, sentiam. Mas não tinham provas. Nunca tiveram.

Lucas, por sua vez, posava para fotos, tirava selfies com colegas, assinava camisas brancas com frases bobas e autênticas, como “vou sentir saudade” e “não muda nunca”.

E realmente, ele não mudaria.

Quando a formatura acabou, ele olhou uma última vez para o colégio. Respirou fundo. E sorriu — não por gratidão. Mas pela obra finalizada.

O colégio jamais saberia quem destruiu sua inocência.

A página foi desativada naquela mesma noite.

O roteador, reiniciado.

O Wi-Fi voltou a se chamar “SÃO BENTO EDUCACIONAL”.

Mas o nome “FOI VOCÊ, CALANDRA?” viveria nas memórias.

E Lucas?

Lucas partiu. Como entrou.

Silencioso. Invisível. Impecável.

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem