Código Anônimo: Epílogo

A manhã em Guarararatá começava com aquele tipo de calor que acorda antes do sol. As barracas da feira livre se alinhavam uma a uma no centro da cidade, como sempre faziam às quartas. O cheiro de pastel com caldo de cana se misturava ao de frutas recém-colhidas e vozes estridentes vendendo alho, goiaba e couve.

Lucas caminhava devagar, como quem flutua por uma lembrança. Vestia uma regata e uma bermuda dessas de academia, e o mesmo olhar contido de sempre — mas agora mais firme, mais lapidado pelo tempo. Estava na cidade por uma reunião — nada demais — e decidiu passar na feira por impulso. Uma pausa nostálgica.

Foi quando, entre sacolas e barulho de moedas, ele viu uma cena congelada no tempo.

Três mulheres rindo diante de uma barraca de bananas.

Uma delas, ele reconheceu de imediato: a Professora de Geografia. A outra, de riso suave e mãos cheias de berinjela, era professora de inglês.

E a terceira…

Lorena.
A professora de biologia que ele odiava com uma precisão cirúrgica.

O coração de Lucas não acelerou. Não sentiu raiva, nem surpresa. Apenas uma calma gélida. Como quem avista uma barata viva depois de anos acreditando que a casa estava limpa.

Aproximou-se.

— Prof de Geografia… Professora de Inglês…

As duas se viraram, surpresas.

— Lucas?! — exclamou a prof de Geografia, arregalando os olhos com alegria.

— Olha só pra ele! Está um homem feito! — completou a professora de Inglês, visivelmente emocionada.

Ele sorriu, cumprimentou as duas. Conversaram por minutos. Ele contou por alto sua carreira (“CEO de uma Grande Empresa”), elogiou as aulas das duas com sinceridade. Falou de como ainda lembrava dos mapas da professora de Geografia e da paciência que a professora de Inglês tinha ao ensinar Verbo To Be como se estivesse contando uma história.

Elas riram. A conversa era leve, doce.

Até que ele se virou para a terceira mulher.

Lorena.

Ela sorria, hesitante, com uma expressão incômoda. Estendeu a mão. Esperava, talvez, o mesmo afeto.

Lucas olhou a mão dela por um segundo. Não tocou.

— Você não. Você não merece nem bom dia.

O riso das outras duas desapareceu.

Lorena forçou uma risada, mas Lucas não permitiu que ela disfarçasse o que viria.

— Você foi, é, e continua sendo a pior professora que eu já tive em toda a minha vida.

A professora de inglês engoliu seco. A professora de Geografia arregalou os olhos.

— Você era arrogante, despreparada e incapaz de admitir quando errava. Mas o pior — o pior mesmo — era a sua covardia. Você se escondia atrás do título de “professora” quando tudo o que fazia era desmotivar, mentir e se proteger com falsos discursos. Você se lembra de quando me acusou de usar o celular para colar na prova?

Lorena tentou interromper.

— Lucas, querido, não sei o que…

— Não me chame de querido.
Você era mentirosa, Lorena. Você inventava justificativas para sua própria incompetência, culpava alunos pelos seus erros, fingia que entendia o conteúdo, mas não dominava nem o básico da matéria.
Você causou danos. E eu nunca esqueci.

Ela empalideceu. A mão ainda estendida caiu ao lado do corpo.

— Você foi o tipo de professora que entra na sala com o ego cheio e a alma vazia. A vergonha da educação. E só espero que, um dia, alguém te diga isso dentro da sala de aula — pra ver se aprende alguma coisa antes de se aposentar.

A feira, antes barulhenta, parecia subitamente abafada ao redor.

Lucas então respirou fundo e, como se virasse uma página, voltou-se para as outras duas professoras. A de Inglês, ainda estática. A de Geografia, visivelmente sem saber o que dizer.

Ele sorriu para ambas.

— Foi um prazer imenso rever vocês. De verdade. Vocês marcaram minha vida. Espero que estejam bem. De coração.

E sem olhar novamente para Lorena, ele se afastou com a mesma tranquilidade com que havia se aproximado.

Andou pela feira sem pressa, com um leve sorriso no canto dos lábios. Ele se orgulhava da crueldade e tampouco se arrependia. Não se tratava de vingança. Era justiça.

Porque certas pessoas precisavam ser lembradas de quem realmente eram — e ele sempre soube como fazer isso melhor do que ninguém.

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