Ela Viajou para Dentro Dele: Capítulo 10 – A Porta

Os dias passaram arrastados como folhas ao vento.
Nenhuma briga. Nenhuma fuga. 
Mas havia algo no ar. Algo que Heitor não sabia nomear, e que Luna não dizia.

A rotina parecia a mesma.
Café. Trabalho. Tinta nos dedos.
Mas agora, ela andava diferente.

Não evitava mais os olhos dele — mas também não os procurava.
Seus passos eram firmes, mas leves. Como quem não carrega mais correntes, mas guarda uma chave no bolso.

A casa estava toda destravada.
As janelas se abriam com um simples toque.
A Alexa respondia à voz de Luna sem restrições.

E mesmo assim, ela não saiu.

Não ainda.

Heitor fingia não notar.
Mas via tudo.

Via o modo como ela olhava o portão da frente — e depois desviava.
Via quando ela passava a mão no controle central e o deixava sobre a mesa, como se testasse seu próprio autocontrole.

À noite, ele acordava com os ruídos mínimos da casa:
a Alexa atualizando o sistema, os sensores piscando, a porta do ateliê sendo aberta devagar.

Mas ela não fugia.

Ela… flutuava.

Entre o antes e o depois.

Certa manhã, Luna não foi trabalhar.
Ficou em casa, sentada no sofá, observando o jasmim recém-plantado.

Heitor a encontrou ali, imóvel.

— Você não foi?
— Não.
— Está tudo bem?
— Sim. Só quis ver como a planta reagia ao sol de manhã.

Ele se sentou perto. Não tocou nela.

— Às vezes eu esqueço que você é toda feita de metáforas — disse ele.

Ela sorriu. Pela primeira vez em dias.

— Às vezes eu também esqueço.

Naquela tarde, ela arrumou o ateliê inteiro.
Guardou as tintas. Enrolou as telas.
Organizou o diário antigo em uma caixa com fita preta.

Heitor passou pela porta, observando em silêncio.

— Vai pintar de novo? — perguntou.
— Talvez.

Ela não deu explicações.

Na madrugada, ele acordou com a luz do corredor acesa.
Ouviu passos suaves.

Luna estava de pé, na sala, olhando para a porta da frente.
Vestia uma camisa antiga dele, os cabelos presos de qualquer jeito.

Na mão, o controle da casa.

Heitor a observou do vão da escada, sem dizer nada.

Ela permaneceu ali por quase dez minutos.
Não se mexeu. Não tentou abrir.
Apenas olhou.

Como quem contempla uma saída… e tudo que vem com ela.

No dia seguinte, ela estava estranhamente serena.
Fez panquecas. Pediu para Alexa tocar música. Dançou sozinha na cozinha enquanto lavava a louça.

Heitor achou que aquilo parecia um adeus.

— Luna… — começou ele, com dificuldade. — Se quiser conversar…

— Eu sei — ela interrompeu, com gentileza. — Ainda não é hora.

— Hora do quê?
— De saber se eu vou ou fico.

Naquela noite, ela dormiu cedo.
Deixou o controle no criado-mudo.
Olhou para Heitor com um olhar calmo, como se já soubesse de tudo — e estivesse apenas esperando o tempo fazer o que precisava.

Ele não dormiu.
Ficou escutando a respiração dela, lembrando do que foi… do que é… e do que talvez nunca mais seja.

No porão, um dos robôs piscou.
Sem som. Sem comando.
Apenas um feixe fraco de luz.

Como se a casa também estivesse esperando.

No último segundo do capítulo da vida deles, Luna abriu os olhos na escuridão e murmurou:

— O problema de abrir todas as portas… é que um dia a gente realmente passa por uma.

E então fechou os olhos outra vez.

Amanhã seria o dia da decisão.

Mas por enquanto… só havia a porta.

E o silêncio que antecede o som da maçaneta girando.

No Próximo capítulo...

Capítulo 11 – A Escolha, será o momento mais esperado: Luna decide. Mas a escolha dela pode não ser o que parece — pode ser ir… ficar… ou algo ainda mais ambíguo. 

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