Luna percebeu rápido:
ter liberdade era bom…
mas ter poder era melhor.
E ela tinha.
Não o tipo de poder que sufoca.
Mas o tipo que acende — que arranha de leve, que cutuca as inseguranças, que morde a vaidade de quem ama demais.
Foi numa terça-feira nublada que tudo começou.
Estava sentada na varanda, de vestido curto, as pernas dobradas no banco, o celular na mão.
Heitor observava da cozinha.
Via o sorriso torto que ela dava pra tela.
As mensagens que chegavam com frequência.
Os dedos dela digitando rápido, com pequenas risadas abafadas.
— Com quem tá falando? — ele perguntou, casual, quase falso.
— Com o Thiago. Um cara da floricultura.
— Ele é engraçado assim todo dia?
Ela ergueu o olhar, provocante:
— Quer que eu mostre a conversa?
— Não.
— Então não pergunta.
Silêncio.
Ela se levantou, caminhou até ele, parou bem perto.
— Quer que eu diga que ele é feio? Que não tem graça?
Quer que eu diga que só penso em você?
Heitor desviou o olhar, tenso.
— Não precisa mentir.
— Eu nunca menti.
Mas às vezes gosto de provocar. Ver você assim… quente.
— Quente ou enciumado?
— Os dois.
Ela beijou o canto da boca dele, depois se afastou com um sorrisinho.
— Jogo, Heitor. Às vezes o amor precisa de movimento. Não estou falando com ninguém.
Naquela noite, Luna fez diferente.
Não dormiu com ele.
Vestiu uma camisola de seda leve, se trancou no próprio quarto e disse pela fresta:
— Boa noite, meu amor. Hoje você sonha comigo, mas só amanhã me toca.
Heitor riu, frustrado.
— Isso é tortura.
— Isso é antecipação. Aprendi com você.
Ele passou a mão no cabelo, virou-se de costas.
— Você sabe que eu não durmo sem você, né?
— Pois então vai ter insônia.
E amanhã… me deseja em dobro.
O dia seguinte veio carregado.
Luna passou a tarde pintando no ateliê.
A porta aberta.
O corpo suado.
O cabelo preso com um lápis.
Heitor fingia ler no sofá, mas seus olhos estavam vidrados nela.
A curva da cintura.
As coxas.
A pele marcada pelas mordidas da última semana.
Ela sabia que ele observava.
Se inclinava mais do que precisava.
Se alongava devagar.
Fingia que não via o volume que crescia na calça dele.
Até que finalmente o chamou:
— Me alcança a tinta vermelha?
Quando ele se aproximou, ela virou-se de costas.
— Tá bem ali embaixo… no armário.
Ele abaixou.
E ela, atrás dele, passou as unhas devagar por sua nuca.
— Você tá tenso — disse.
— E de quem é a culpa?
Ela riu, pegou o pote de tinta e virou-se de frente.
Os seios nus.
O olhar ferido de malícia.
— Quero pintar com você hoje.
Mas sem pincel.
Na estufa, mais tarde, ela o fez de tela.
Derramou tinta nas costas dele.
Espalhou com os dedos, a língua, o quadril.
— Hoje você é meu quadro.
Ele tentava se controlar.
Mas ela cavalgava sobre ele como artista e dona.
Lambia, mordia, sussurrava:
— Isso é arte viva.
— Isso é loucura.
— Então me deixa te enlouquecer.
Na madrugada, ofegantes e pintados, deitados no chão frio da estufa, Luna disse:
— Às vezes eu me sinto sua.
Mas só quando sou eu quem escolhe.
— E quando não é?
— Aí eu fujo.
— E você tá escolhendo agora?
Ela virou-se sobre ele, os olhos brilhando no escuro.
— Tô. Mas amanhã… talvez eu inverta tudo.
— Como assim?
Ela sussurrou no ouvido dele:
— Amanhã você é meu branquinho, meu brinquedo. Meu prisioneiro.
E eu… sou a chave.
Heitor tremeu.
Não de medo.
Mas de antecipação.
Sabia que estava amando uma mulher que não se domava.
E mesmo assim, era ela quem mais o domava por dentro.
Sabia também que estava entrando num jogo sem manual.
Onde cada regra era escrita com saliva, suor e gemido.
Mas jogaria.
Até o fim.
Até o abismo.
Até que um dos dois dissesse: “pare” —
Ou nenhum dissesse nada, e o jogo virasse destino.