Nova York tinha um cheiro diferente.
Era um cheiro de velocidade, de metal, de café forte.
Era um som de sirenes misturado com passos apressados e buzinas impacientes.
Era uma cidade que não esperava ninguém.
E isso fascinava Luna.
Eles desceram no aeroporto JFK depois de longas horas de voo. Luna não parecia cansada — seus olhos brilhavam como se ela tivesse acabado de acordar de um sonho bom.
Heitor, ao contrário, estava tenso. O olhar atento, como se cada pessoa ali fosse uma ameaça invisível. Como se estivesse prestes a lutar por ela a qualquer segundo.
— Você vai amar isso aqui — ela disse, sorrindo ao puxar a mala.
— Eu só quero que você esteja segura.
Ela deu de ombros, já entusiasmada com tudo ao redor.
Foram recebidos por uma equipe simpática da galeria. Um carro exclusivo os aguardava e, durante o trajeto até o hotel, Luna mal conseguia disfarçar o encantamento com os arranha-céus, com a arquitetura viva, com os letreiros que pareciam gritar possibilidades.
— Você já esteve aqui? — ela perguntou.
— Sim. Eu amo voar. Eu amo aviões. Eu amo Nova York — ele respondeu.
Ela riu.
— Aqui ninguém pertence a ninguém, Heitor. Isso te assuste.
— Eu só não quero te perder no meio disso tudo.
— Você não vai me perder.
A não ser que tente me prender de novo.
Ele não respondeu.
O hotel era impecável. O tipo de lugar onde os funcionários sorriem com os olhos e as toalhas têm o cheiro perfeito. O quarto era amplo, moderno, com uma vista que parecia ter sido desenhada à mão.
Luna se jogou na cama e ficou ali, apenas respirando o ar de um mundo novo.
Heitor a observava em silêncio, carregando um nó no peito.
Os dias que se seguiram foram intensos.
Luna começou a frequentar reuniões com outros artistas, galeristas, empresários e críticos. Todos queriam ouvir o que ela tinha a dizer.
Todos queriam vê-la crescer.
Heitor a acompanhava sempre, mas já não conseguia acompanhar tudo.
As conversas se tornavam técnicas demais, as conexões se multiplicavam, e Luna florescia sem precisar da sombra dele.
E isso o corroía.
Durante um brunch com um dos curadores da galeria, Heitor percebeu o olhar demorado de um dos organizadores sobre Luna. Um tipo de admiração que ultrapassava o simples profissionalismo.
Heitor apertou o copo com mais força do que deveria.
Luna percebeu.
— Você não precisa disso — ela disse baixinho, depois que o evento terminou.
— Disso o quê?
— Disso. De tentar marcar território o tempo todo.
— Eu só… estou cuidando.
— Você está com ciúmes. De novo.
— Eu não confio neles.
— Então confia em mim.
Ele desviou o olhar.
As redes sociais de Luna começaram a crescer rápido.
Fotos de bastidores, vídeos curtos, trechos das reuniões. Ela ganhava visibilidade, fãs, admiradores. Convites para eventos privados.
E Heitor, mesmo ali, mesmo presente, começou a sentir o peso de não estar mais no centro de tudo.
Uma noite, enquanto ela organizava materiais no quarto, Heitor sentou-se no sofá, tenso.
— O que foi? — Luna perguntou, sem parar de escrever.
— Eu só quero entender…
Se eu não tivesse financiado tudo isso, você ainda estaria me levando com você?
Ela parou. O silêncio foi mais cruel do que qualquer resposta.
— Eu te levaria porque você faz parte da minha vida. Não porque você me pagou um ingresso.
— Mas e agora? Você ainda me quer lá?
— Eu quero. Mas não como meu supervisor. Como meu parceiro. Como meu amigo. Como meu amor.
Mas se for pra ficar me vigiando, Heitor… você vai se perder de você mesmo.
E talvez de mim também.
Ele passou a mão pelo rosto, cansado, dividido entre o alívio e a angústia.
— Eu não sei ser esse cara. Eu quero ser. Mas eu não sei.
— Aprende.
Eu estou aprendendo a andar sozinha. Você pode aprender a andar ao meu lado.
Ele se levantou, aproximou-se e tocou o rosto dela.
— Eu não quero que ninguém te roube de mim.
— Ninguém pode me roubar, Heitor.
Só eu posso decidir se quero ficar ou ir.
— Você ainda quer ficar?
— Eu ainda quero. Mas não me prende de novo. Não transforma essa viagem em mais um labirinto.
Ele a abraçou com força, como quem tenta gravar a textura da pele, o cheiro do cabelo, o ritmo do coração.
— Eu tô tentando confiar.
Mas não me pede pra não sentir ciúmes. Isso eu não vou prometer.
— Eu não te peço pra não sentir.
Eu te peço pra não agir como se fosse dono.
— Eu te amo, Luna.
— Eu sei.
E eu amo você também.
Mas aqui…
Aqui eu sou minha.
Heitor a segurou mais forte por alguns segundos e depois soltou.
— Vamos continuar.
Eu vou andar com você.
Mesmo que doa.
Ela sorriu.
— Mesmo que doa.
E seguiram, lado a lado, por uma Nova York que parecia abrir portas a cada esquina.
Mas o ciúmes de Heitor, mesmo contido, era uma chama que ainda ardia.
E Luna, por mais livre que estivesse, ainda carregava o peso de quem sabe:
Às vezes, o amor também tem garras.