O convite chegou naquela manhã.
Era um dos eventos mais aguardados da galeria: uma noite de gala exclusiva, onde artistas, curadores, patrocinadores e investidores se misturavam num jogo elegante de sorrisos e interesses.
Luna segurava o envelope nas mãos com naturalidade, como se fosse apenas mais um detalhe do dia, mas Heitor sabia: aquilo era um passo gigantesco.
— Você vai, né? — ele perguntou, como quem já sabia a resposta.
— É claro que vou — ela respondeu, o sorriso leve.
E antes que ele perguntasse qualquer outra coisa, completou:
— E eu quero que você vá comigo.
Heitor sentiu um alívio misturado com surpresa. Ele esperava hesitação, talvez até resistência. Mas ela não pensou duas vezes.
— Tem certeza?
— Eu quero você comigo, Heitor. Quero que você veja isso. Quero que você esteja lá quando eu apresentar o que conquistei. Quero que seja meu acompanhante.
Mas… — ela o olhou com firmeza — você vai comigo, não na minha frente.
— Combinado — ele respondeu, tentando esconder o alívio que transbordava no peito.
A noite chegou com a cidade ainda pulsando.
Luna usava um vestido preto leve que deixava as costas expostas. Um tipo de roupa que a fazia parecer ainda mais livre, ainda mais distante da menina que Heitor conheceu naquela cidade turística.
Quando ela saiu do banheiro do hotel, pronta para o evento, ele a observou em silêncio.
— Algum problema? — ela perguntou, ajeitando a alça do vestido.
— Não. Você está… perfeita.
— Você tem certeza?
— Tenho. Só estou tentando me acostumar com a ideia de que você não é só minha.
Ela sorriu de canto.
— Eu nunca fui. Mas eu quero estar com você. Isso é o que importa.
O salão da galeria estava impecável.
Paredes altas, iluminação pensada para criar ambientes acolhedores e sofisticados. Garçons discretos circulavam com taças de espumante e canapés minimalistas. As pessoas vestiam olhares calculados, prontos para julgar, elogiar e medir o valor das conexões.
Luna caminhava entre eles com naturalidade.
Seus passos eram leves, sua postura segura. Ela sorria com facilidade, era apresentada, ouvida e admirada.
— Você é a artista do programa internacional, não é? — perguntou um investidor de sotaque europeu, a voz cheia de interesse.
— Sim, estou iniciando agora minha exposição internacional — respondeu com simpatia.
Heitor a acompanhava sempre por perto, discreto, mas atento.
A cada novo elogio, a cada novo sorriso direcionado a Luna, ele sentia o calor do ciúmes crescer, queimando silenciosamente dentro dele.
Quando um dos curadores, um homem alto, de cabelos grisalhos, se aproximou e começou a elogiar Luna com entusiasmo, Heitor endureceu.
— Sua obra é magnética. Você cria camadas profundas, toca as feridas das pessoas. É raro encontrar artistas que consigam fazer isso com tanta naturalidade — disse o homem, admirado.
— Talvez seja porque eu também carrego as minhas — respondeu Luna, com um sorriso sutil.
— Gostaria muito de conversar mais. Podemos marcar um café? Tenho contatos que adorariam ver de perto seu trabalho e expandir suas oportunidades.
Antes que Luna pudesse responder, Heitor deu um passo à frente, a voz firme:
— Podemos conversar agora. Estou disponível.
O curador sorriu, educado, mas percebeu o tom.
— É claro. Mas talvez a artista prefira um momento mais oportuno, sem pressa.
— Eu costumo cuidar da agenda dela — insistiu Heitor, o olhar duro.
Luna virou-se calmamente para ele, o olhar sério e afiado.
— Heitor.
Eu cuido da minha agenda.
O curador, percebendo o clima, se despediu com um sorriso diplomático e se afastou.
— Você não precisava ter feito isso — disse Luna, a voz baixa e controlada, como quem guarda um vulcão.
— Eu só estava protegendo você.
— Heitor, isso é ciúmes. Você não está me protegendo. Você está tentando me controlar de novo.
— Eu só não confio neles.
— Então confia em mim.
Ele respirou fundo, visivelmente desconfortável.
— Eu só… eu só não quero te perder nesse mundo.
— Você não vai me perder.
A não ser que continue tentando me amarrar.
— Você é minha, Luna.
— Eu te escolho, Heitor. Todos os dias. Mas isso não me torna sua posse.
Ele desviou o olhar, inquieto.
— Eu só quero garantir que ninguém te machuque.
— E se você não perceber, talvez quem esteja me machucando seja você.
Ele ficou em silêncio por longos segundos.
— Eu vou melhorar — disse enfim. — Mas não me pede pra não sentir ciúmes. Isso eu não consigo prometer.
— Eu não te peço pra não sentir.
Eu te peço pra não agir como se fosse meu dono.
— Eu te amo, Luna.
— Eu sei.
E eu te amo também.
Mas eu sou minha.
Ele a olhou com intensidade, engoliu as palavras que não deveria dizer e apenas assentiu.
— Vamos terminar a noite bem? — ela pediu, com um sorriso leve.
— Vamos.
Durante o resto do evento, Heitor a acompanhou com mais calma. Ainda carregava o ciúmes no peito, ainda queimava por dentro, mas pela primeira vez, escolheu confiar.
Ou pelo menos tentar.
Entre brindes, apresentações e promessas de novos projetos, Luna brilhava.
E mesmo que o brilho incomodasse, Heitor sabia que não poderia mais apagá-lo.
Ela estava crescendo.
E ele…
Ele precisava crescer junto.