Ela Viajou para Dentro Dele: Capítulo 8 – O Ruído

A casa estava mais silenciosa do que nunca.

A Alexa quase não falava.
Os sensores estavam no modo mínimo.
E Luna — cada vez mais distante — caminhava pela casa como se ela fosse feita de vidro: algo belo, mas frágil demais para tocar com força.

Passava horas na floricultura.
Voltava tarde.
Tirava os sapatos na entrada, com movimentos lentos, e às vezes não dizia uma palavra.

Heitor observava tudo em silêncio.

Sabia que ela estava diferente.
Mais contida. Mais fria. Mais… interna.

Mas não ousava pedir mais do que ela queria dar.

Foi numa tarde abafada, de céu sem vento, que o som começou.

Um ruído.
Fraco, metálico, vindo do porão.

Luna ouviu primeiro.
Estava no ateliê quando sentiu a vibração leve no chão. Como se algo — ou alguém — tivesse despertado no subterrâneo.

Desceu.

O ar lá embaixo era pesado, úmido. As luzes de emergência piscavam.
E os dois robôs desativados da Alexa estavam exatamente onde sempre estiveram.

Mas agora… um deles acendia o visor, tremia levemente, e emitia um som arranhado.

— Inicialização… interrompida… comando… não reconhecido…
Depois:
— Luna.

Ela congelou.

Era sua voz.
Mas dita por outra boca.
De uma forma que ela não conseguia compreender.

E então ouviu:

— Luna, por que você chora tanto quando dorme?

Ela recuou, o coração disparado.

Não parecia um comando.
Não era uma gravação recente.
Aquilo vinha de algum lugar antigo. Esquecido.

Horas depois, confrontou Heitor.

— Os robôs estão funcionando de novo.
— Não. Eles estão desligados.
— Não estão. Um deles falou comigo. Com… a minha voz.

Heitor empalideceu.
Demorou para falar.

— O que ele disse?
— Me chamou. Disse coisas que… que eu mesma já falei.  Quando estava sozinha.

Heitor olhou para ela, como se lutasse contra si mesmo.

E então, enfim, disse:

— Eu te conhecia, Luna. Antes de você me conhecer.

Ela congelou.

— Como assim?

Silêncio.

— Quando te encontrei pela primeira vez… não foi por acaso. Eu te procurava.
— Mas como? Por quê?
— Eu já te observava. Pela internet. Por postagens antigas. Perfis esquecidos. Vídeos curtos que você mal lembrava de ter feito. Você sempre me chamou a atenção. Havia algo em você. No modo como você escrevia. Nos lugares por onde andava.

Ela deu um passo para trás.

— Então você me perseguiu?
— Não. Eu… acompanhei. De longe. Por muito tempo. Até que decidi… me aproximar. Criar a chance do convite. Fazer com que parecesse natural.

O silêncio entre os dois agora era um abismo.

— Por quanto tempo, Heitor?
— 2 Anos.
— Você já me amava?
— Eu nem sabia o que era amor antes de você.

Ela passou a mão no rosto. Sentia como se a realidade tivesse derretido sob seus pés.

— Eu achei que eu tinha te escolhido.
— Você escolheu. Mas… depois que eu já tinha escolhido você.

Naquela noite, Luna dormiu no ateliê.
Não porque quisesse fugir.
Mas porque precisava lembrar quem era, antes dele.

E Heitor não tentou impedi-la.
Ficou na sala, em silêncio, olhando para os próprios dedos, como se buscasse neles uma resposta que não vinha.

No escuro do porão, o robô piscou mais uma vez.
E murmurou, baixinho:

— Controle. Afeto. Escolha. Confusão.

Depois, apagou.

De manhã, Luna serviu duas xícaras de café.
Sentaram-se frente a frente.

Ele não disse nada.

E então, ela repetiu — pela terceira vez:

— Um dia… nós dois vamos sumir.

Mas desta vez, a frase não era um aviso.
Era um lembrete.

E Heitor finalmente entendeu que ela não estava ameaçando ir embora.

Ela estava lembrando que até o amor mais intenso pode desaparecer… se não for livre.

E então... Heitor decidiu mudar, mas isso você só vai descobrir no próximo capítulo.

Continua...

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