Quando todas as portas se fecharam e o tempo começou a desmoronar sobre suas cabeças, Henrique e Davi entenderam que não poderiam resolver aquilo sozinhos. Eles estavam enredados demais, presos numa teia que eles mesmos teceram. Era hora de recorrer à única pessoa capaz de desfazer aquilo: o hacker conhecido apenas como Vírus.
Vírus era uma lenda entre os criminosos da região do Vale do Paraíba. Ninguém sabia seu nome verdadeiro. Ninguém sabia onde ele morava. Algumas histórias diziam que ele nunca usava o mesmo telefone duas vezes, que se movia como um fantasma entre cidades pequenas, e que conseguia invadir sistemas da polícia, de bancos e até de órgãos federais sem ser rastreado.
Henrique não confiava, mas confiava menos ainda no próprio destino.
Foi Davi quem fez o primeiro contato. Ele sabia que para encontrar Vírus, não adiantava ir até a delegacia ou procurar nos becos da cidade. Era necessário falar com as pessoas certas, os intermediários que só aparecem quando se faz as perguntas corretas para as pessoas erradas.
Após dois dias de buscas desesperadas e encontros em oficinas clandestinas e bares esquecidos, Davi recebeu uma instrução simples:
“Quarta-feira. Armazém abandonado, final da estrada velha. Vá sozinho.”
Naquela noite, Davi dirigiu pelas estradas de terra até o ponto de encontro, o coração martelando no peito. O armazém estava mergulhado na escuridão. Quando ele saiu do carro, as únicas luzes eram as da própria lanterna e de um cigarro aceso, muito ao fundo.
— Você é o delegado? — a voz saiu da sombra. Jovem, mas fria. Calma demais para alguém que sabia o tamanho do problema em que estava se metendo.
— Preciso falar com você. É urgente — respondeu Davi, tentando manter a postura.
O homem saiu das sombras devagar. Vestia um moletom surrado, capuz cobrindo parte do rosto e luvas nas mãos. Mas o que realmente chamou a atenção de Davi foi o olhar. Era como se aquele sujeito já soubesse tudo, como se já estivesse jogando o jogo muito antes deles.
— Eu já sei quem você é. Já sei o que você quer. O HD. Apagar tudo. Desaparecer com as provas — disse Vírus com um sorriso torto. — Eu sei tudo isso. O que você não sabe é o preço.
— Quanto você quer? Dinheiro? Proteção? Eu consigo — Davi ofereceu, desesperado.
Vírus riu, um riso seco, quase debochado.
— Dinheiro? Isso me entedia. Eu não trabalho por dinheiro. O que eu quero é um favor. Um dia, pode ser amanhã, pode ser daqui a anos, eu vou te ligar. Quando isso acontecer, você e o promotor vão fazer o que eu mandar. Sem perguntas. Sem recusas. Vai custar caro. Mas se não toparem… Bem, vocês já estão mortos de qualquer jeito.
Davi hesitou. Aquilo era suicídio. Mas as paredes estavam tão próximas, o tempo tão curto, que parecia não haver alternativa. Ele engoliu em seco.
— Aceitamos. — As palavras saíram mais rápido do que deveria.
— Eu sabia que aceitariam. — Vírus jogou o cigarro no chão e pisou. — Vocês vão me entregar o HD. Eu cuido do resto. Mas lembrem-se: um dia, a conta chega. E vocês vão pagar.
Dois dias depois, Henrique e Davi se encontraram novamente com Vírus. O hacker trouxe um equipamento sofisticado, muito além do que a polícia local tinha acesso. Eles trabalharam em um esconderijo afastado, um galpão abandonado na periferia da cidade, enquanto o mundo lá fora continuava, alheio ao crime que acontecia debaixo de seu nariz.
Vírus operava com maestria. Os olhos fixos na tela, os dedos voando pelo teclado. Henrique observava, fascinado e aterrorizado.
— Já era — disse Vírus, após horas de trabalho.
— Tudo limpo. Ninguém nunca vai recuperar esses dados.
— Então estamos seguros? — Henrique perguntou, a voz vacilante.
Vírus ergueu os olhos, sério.
— Vocês estão seguros por enquanto. Mas nunca estarão livres.
Ele os deixou ali, com o HD vazio nas mãos e a sensação de que haviam acabado de fazer um pacto com o próprio diabo.
Aquela noite parecia ter resolvido tudo. Mas, na verdade, havia apenas aberto a porta para um problema ainda maior.
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Sombras do Vale